segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Teopoesia



Certa vez, eu vi o sertão e fiquei impactado com a vegetação morta, os riachos
secos, os açudes sem água... Depois de certo tempo voltei ao mesmo local e já havia
chovido. Que diferença! Estava verde! Os riachos corriam, nos açudes havia água e até
peixes.

Não poderia imaginar que no meio daquela realidade marcada por sinais
de morte pudesse brotar a vida. A primeira palavra que saltou à mente: PÁSCOA!
Impossível não me lembrar da passagem da morte à vida.

Olhar o sertão fez com que eu me enxergasse por dentro. Pude ver minha
história para dar-me conta de que eu havia experimentado o mesmo. De lá para cá,
fui percebendo que cinco certezas me foram invadindo. A primeira que vivo e sinto
isto, quando respiro. A segunda que morro e percebo o mesmo, quando me vejo no
espelho.

Disseram-me, certa vez, que não temos um dia marcado para morrer. Morremos
aos poucos, dia após dia! De certo, não tínhamos também dia determinado para
nascer. Então, assustei-me com a terceira certeza de que não consigo controlar a vida
ou a morte. Eu razão, capaz de inquietar-me com o passado e sonhar com o futuro
querendo entender ou controlar tudo. E o tempo presente?

Este me faz entender que vivo e morro ao mesmo tempo! Portanto, agora sei
que a morte e a vida constituem as faces de uma moeda chamada existência! Pus a
perguntar-me para que servia a minha existência.

No intervalo de tempo, entre uma piscada e outra, a inspiração e a expiração,
nasceu a quarta certeza: Deus me ama e por isso consigo amar! Encontrei no absurdo
da minha existência o Absoluto que nos ama. Tal experiência fez com que minha
moeda (existência) ganhasse valor (sentido).

E que “chuva” modificou a minha paisagem interior, já que a chuva fez o
sertão se transformar!? Certamente, o Amor incondicional e gratuito de Deus que
experimentei através das pessoas. Isto proporcionou a festa da PÁSCOA na minha
existência!

Hoje, uso óculos pascais para enxergar as realidades desafiadoras ou marcadas
por sinais de morte para transformá-las. Sigo meu caminho – existência – acolhendo
Deus que se comunica e refletindo o experimentado. Daí nasceu a quinta certeza de
que posso fazer teologia – poesia. Teopoeta! Só depois que vi aquele sertão e dei-me
conta que Deus cria e re-cria. Ele se fez um grande poeta!
Por Franklin Alves Pereira, sj

imagem: http://ipt.olhares.com/data/big/152/1528837.jpg

9 comentários:

Germano SJ disse...

O Franklin me comentou, ao enviar esse post, que ele estaria no âmbito do diálogo fé e razão. O que vocês acham?

Geraldo Ulisses disse...

O Franklin é um daqueles sujeitos raros, que ao ser visto não apresenta nada de novidade porque conseguiu guardar toda a sua beleza no interior, mas quando fala... Só um ser sensível tem a capacidade de captar na natureza o belo mais sublime e transmiti-lo aos outros, talvez porque vive em sintonia com aquilo que presencia e lhe empresta a voz, para que possamos escutar o que não somos capazes de ouvir.
Assim é pra ser a criação. Assim era pra ser toda a humanidade: transpirar a obra de seu criador. A todos nós foi dada a capacidade de sermos Franklin, pois somos chamados a sê-lo. A fé é uma parte da nossa leitura teológica sobre a nossa existência. A razão é a forma prática de dizer e estabelecer essa leitura ao outro. Sem determinar, sem induzir, sem obrigar e sem anular. É dizer a fé, através da razão, tornando o outro capaz de ser pessoa. Dialogar é ouvir. Dialogar é expressar o óbvio que o outro ainda não vê. É mostrar os ângulos de visões possíveis àqueles que não arredam do lugar. O diálogo é a razão vista com o olhar do outro dentro do nosso ser, pois assim nos permitimos sentir a grandeza que ele traz e nos coloca em contato com seu íntimo. Ao vermos como o outro, criamos. E, toda a criação assim realizada é bela, não agressiva, convidativa, pois parte do amor pelo outro e não apenas do desejo egoísta e unitário de satisfação. É ver todo o evento ao qual pertencemos, seja um sertão, seja uma chuva que o reviva. É permitirmos ser “água-dos” pelo Amor absoluto. É apenas e unicamente permitir ao outro ser com abundância, como o Franklin nos permitiu nesse exato momento da leitura de sua visão.

Francisco Tomé disse...

Ouvir tão bela reflexão alegra a alma. Com certeza é belo ouvir os cantos dos pássaros, o cair da chuva principalmente em um lugar seco que expressa morte. Mas ali, escondida, a vida brota com a chuva tão esperada pelo povo sertanejo. Quando a chuva cai, o povo levanta os braços em louvor ao criador por tão grande dádiva recebida. De novo vida no que parecia morte, mas a vida esperava as lágrimas do céu para de novo aos olhos do criador mostrar o resplendor de sua beleza. De novo a esperança, aonde ela parecia ilusória, de novo o sonho aonde parecia pesadelo. Eis o vigor da vida, eis a alegria do homem, eis a esperança para aqueles sofredores.
Mas nem sempre é bem assim! Lembro-me do lugar lindo repleto de florestas, de animais, de rios tão limpos onde junto com os amigos costumava pescar. Saiamos juntos na selva a procura de aventura, novos rios, novas árvores, novos animais. Obra de Deus criador, que cria com perfeição.
Hoje quando retorno a este mesmo lugar não vejo mais a beleza, ela deixou de existir. O Rio se tornou represa, as árvores desapareceram, talvez se tornaram casas, móveis ou simplesmente se queimaram pelas perversidade do homem. Animais ainda existem, mas não os mesmos. Pacas, cotias, macacos, capivaras, pássaros... Não estão mais lá, deram espaço a vacas, cavalos, galinhas, porcos... Toda beleza se tornou vazia, não existe mais jardim. O homem pecou! O céu contemplado deixou de ser, deu espaço à TV. A família não é a mesma acabou o diálogo. Vocês podem imaginar por quê? A novela tomou este lugar. Até as famílias se foram. A água tomou conta de tudo. O jardim deixou de existir, ficou a construção do homem. Resta apenas dizer, eis a criação do homem.

alessandro disse...

Franklin, seu texto me fez buscar uma passagem de Guimarões Rosa no GS:V, "Uma coisa é por idéias arranjadas, outra é lidar com um país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias ...Tanta gente - dá susto se saber - e nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo de emprego, comida, saúde,riquesa,ser importante, querendo chuva e negócios bons...De sorte que carece de se escolher: ou a gente se tece de viver no safado comum, ou cuida só de religião só. Viver é muito perigoso." Por isso acredito que viver é uma das aventuras mais radicais que Deus poderia ter dado à humanidade. Que um dia o homem da técnica possa conhecer o sertão e aprender: "O amor é a gente querendo achar o que é da gente". Você Franklin já achou parabéns. Termino com outra frase de Guimarães: "natureza da gente não cabe em nenhuma certeza."

Germano SJ disse...

Pessoal, estou gostando de ver. Os comentários aqui tem sido "De profundis".

Jordano Viana Fernandes disse...

Flaklin, me sentir em seu texto. A passagem! Eu já havia refletido sobre o assunto depois que vc tratou sobre o mesmo ao falar da monografia. Na ocasião pensei que na vida nós nunca sabemos quando nascemos e nunca experimentamos a nossa morte. São os outros que experimentam por nós. Nunca nos recordamos o dia de nosso nascimento. Sabemos porque nos contaram, ou porque nos vemos naqueles que hoje nascem. Sabemos que morremos quando nos vemos naqueles que morrem. Falando de páscoa, já nos apercebemos que quem morre, assim como quem nasce, não experimenta a dor da morte, mas aquele que o ama. Com o nascimento a mesma coisa, a alegria é de quem espera a criança. Acho que aconteceu este fenômeno no coração de nosso Deus quando sentiu o seu Filho morrer.

Valentina disse...

Diálogo fé e razão... O que é razão? O que pode ser? Caminho de uma fé que na experiência busca razoabilidade à escola da interpretação. Interpretação da vida que vibra na natureza, que transpira no corpo. Então seria este seu texto, Frank, um ponto de vista sobre o diálogo entre a fé e uma razão que não é só lógico-demonstrativa, mas também hermenêutica, que sabe reler si mesma a partir do espelhamento com a realidade que a envolve. Esta razão me instiga e estimula e faz com que espere na possibilidade de encontrar uma nova simbólica para interpretar o código tecnocientífico do qual hoje o meu-nosso mundo se veste.

Germano disse...

A nova simbólica, permite a releitura da experiência a qual se está vivendo. Se há conflito, se há problemas a serem resolvidos, sugeridos pela experiência da consciência moral que todos tem (um universal humano, sem ser natureza humana abstrata, mas experiência), então surge o compromisso, a responsabilidade e a necessidade da ação.

Franklin disse...

Muito obrigado pelos comentários e reações! As palavras "teopoesia" e "teopoeta" pensei que fossem criação minha, mas não são. Este texto é de fevereiro de 2009, mas em outrubro de 2009 - Simpósio Teologia, Filosofia e Literatura- descobri que estes termos já existiam e são usados por teológos da Alalite (Associação latino Americana de Literatura e Teologia). Fiquei feliz porque experimentei ou cheguei a conclusões parecidas! Agora pude dividir com vocês! valeu!

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