terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

MEDIR, CALCULAR E PROJETAR: AS VÁRIAS FACES DO VAZIO

Nestas duas primeiras aulas de bioética o tema que veio em pauta ora de forma direta, ora sutil, mas perfeitamente perpassando as discursões gerais foi o emprego da pequena palavra a princípio comum, porém carregada de um significado inconsciente imenso: o termo vazio. 
Para a psicologia profunda ou melhor dizendo, para a psicanálise, o termo vazio não é algo em si que nada contenha, mas a ausência de um algo num determinado espaço, que anteriormente fora ocupado, isto é, o vazio é um ambiente abandonado na subjetividade da compreensão do ser humano. O que estava, já não mais está. Poderia se perguntar o que essa introdução tem a dizer sobre o assunto que iremos tratar sobre a aula desse dia, mas aos poucos vamos deixar clara a permanência velada desse termo. 
Ao dizermos sobre a tecnociência, que por traz de uma aplicabilidade tecnológica há um puro conhecimento científico, permitimos dizer também a existência de um surgimento psicossocial de relacionalidade entre o objeto gerado, o autor e o propósito. Dessa relacionalidade nascem implicações ético-políticas do agir que, pela linguagem, amparada pelas demais ciências envolvidas -de bom grado convidadas ou não a participar dessa dinâmica-, somada com a práxis do agente, geram modificações e inovações crescentes que irão metamorfosear todo processo. 
A tentativa de domínio da realidade por meio das ações científicas de medição, cálculo e projeção, serão sempre ações que, embora consigam temporariamente o controle, a eficácia e a produtividade pelo ser humano, acarretará necessariamente um novo buscar quer em forma de correções ou ajustes. Todo objeto apresentado como novo, direta ou indiretamente influenciará a vida humana que por sua vez influencia o objeto. Ambos constantemente mudam de posição, pois todo o novo ou mudança acarreta uma resistência. Isso é antropologicamente científico. 
O homem moderno então se situa num círculo vicioso de pesquisa, descoberta, invenção e inovação da vida; se posiciona numa dinâmica do poder/saber/poder de domínio da técnica, tendo como depósito todo o ecossistema, cuja trajetória desse dinamismo justifica em si mesma a necessidade do novo. Mesmo para resolver as questões apresentadas pela modernidade, tudo passa a exigir mudanças. Para buscar soluções frente às questões trazidas pela modernidade a própria ética torna-se em determinados momentos pragmática, empregando os mesmos meios científicos do que confronta. Em nome de mudanças ocasionadas pela modernidade, conhecemos as consequências. Nunca estaremos prontos para o novo. Estejamos prontos para o diálogo.
SUGESTÕES DE FILMES PARA A COMPREENSÃO DO TEMA: CRASH; A ONDA.
créditos da imagem: http://www.4physics.com/tn3/brdf_measurements_1_html_m22587703.gif
Postado por Ulisses

6 comentários:

Cristiano disse...

Ao assistir ao filme "os deuses estão loucos!" e estudar a evolução da tecnologia na história, lembrei-me da experiência missionária que fiz na comunidade quilombola (remanescentes de quilombos)do Brejão, localizada no município de Redenção do Gurguéia-PI. Viveu muitos anos isolada. Foi descoberta na década de sessenta. É uma comunidade com caracteres culturais próprias e, ao mesmo tempo, mistas. De modo geral, ainda vivem da caça e plantação de subsistência. A técnica de construção das casas é de madeira preenchida de barro crú e o telhado de palha de coqueiro. Professam uma religião sincretista: fusão católica com camdomblé afro. O casamento é entre os próprios parentes, mas o que chama atenção é a inexistência de pessoas portadoras de deficiência fisíca e mental. Os mais novos morrem com setenta anos. Conheci uma senhora de cento e cinco anos, que segundo os parentes, foi escrava. Enfim, é uma cultura da partilha e do contato sadio com a natureza. Entretanto é muito carente no referente à educação. A maior parte não sabe nem o básico: ler e escrever. Desconhecem a sua história oriunda da Àfrica. É uma comunidade abandonada pelo poder politico local.
As vezes me pergunto se são pessoas vazias espiritual, psicológica e existencialmente. Se o progresso, que defendemos, não destruiria a sua identidade cultural. Acompanhei a instalação da energia elétrica nesta localidade. O primeiro passo foi deixar as conversas em familia e vizinhos, à noite, ao redor da foguera, para assistir as novelas. Se, do ponto de vista da evangelização, não iremos pedir perdão, como fez o saudoso papa João Paulo II, nos quinhentos anos da América Latina, a estas culturas primitvas. Fica aqui a experiência e os confrontos.

Jordano Viana Fernandes disse...

Ótimo, Geraldo! A partir do que você ressaltou, fundametado sobre o tema da tecnociência, vejo que em nossa vida, que é muito mais simples de viver do que imaginamos, toda a atitude (agir), seja ela qual for, têm implicações ético-políticas (sociais). Afinal, não estamos ilhados em nós mesmos. Maior implicação do agir ganha repercussão quando se trata do novo, do estranho, do não conhecido. p. ex. Já nos apercebemos como se aglomera uma "multidão" de gente no local de algum acidente onde não se vê nenhum sinal de vida urbana? Quando mais seria alguma inovação tecnociêntífica. Basta transformar algo.
Quanto ao último parágrafo, quero apenas contribuir com algum pensamento. A pesquisa, a descoberta, o buscar sempre algo inovador não deixa marcas para dizer que o homem moderno (nós!)se situa num círculo vicioso de pesquisa. A pesquisa faz parte de sua natureza humano. A´sua história nos comprova esta afirmação. Quanto mais se encontra, mais se pesquisa.
Jordano Viana Fernandes

Germano SJ disse...

Cristiano aponta uma relação entre evangelização nos dias de hoje, com a qual, pode invitavelmente vir a cultura moderno-ocidental, de cunho tecnológico... Quanto à preocupação se por falta de educação formal (que também tem o jeitão da modernidade) essas pessoas seriam "vazias" espiritualmente, psicológica ou existencialmente, não há o que temer, não são. Eu já me pergunto se o corre-corre, o voltar-se para a produção e o consumo, não é o que realmente empobrece as pessoas, pois nota-se que boa parte da vida se externalizando nos utensílios, nos objetos de desejo (produção e consumo).

Valentina disse...

Então voltamos ao vazio... não será que o vazio é necessário para a presença e o diálogo ao qual Ulisses aponta?
Para permanecer numa linguagem "psicologica", parece-me, as vezes, que o Ocidente precise lidar com sua não-onipotência. A tecnologia, entendida como extensão da identidade (lembro de U. Neisser falando da “unidade psicofísica”) dá-nos a sensação de um poder além do corpo... um pouco como o “poder” que a criança de peito tem de se alimentar... É só quando a mãe “suficientemente boa” (Winnicott) alterna momentos de presença e ausência que a criança percebe que o poder não está só nela mesma, mas também no outro/a. O vazio, a frustração são portanto fundamentais no processo de individuação (estruturação do sujeito) e crescimento. Então me pergunto: qual seria a “frustração otimal” em relação ao uso da tecnologia? Lembrei-me, por exemplo, de algo que escutei no Fórum Social Mundial de Belém: falava-se de-crescimento para os países mais ricos. E os países que estão apenas levantando a cabeça? Qual seria para eles o modelo de desenvolvimento menos violento, menos ligado a um delírio de onipotência que desconsidera o vazio????
Valentina

Germano SJ disse...

Excelente comentário Valentina. Toda uma área de reflexão em torno da questão do vazio/desejo em relação a tecnologia, à nossa potenciação através da técnica.

Anônimo disse...

Será que ao querermos ter poder sobre a realidade, não estamos estabelecendo uma epistemologia doente,na medida que deveríamos falar não depoder, mas de cuidado e relação? Será que nossa soberania, não deveria estar noa to de transformar o mundo num jardim, como Deus no gênesis pensa para o homem? Será que esta forma d econhecer não é desumanizante?

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