quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

H. Tristram Engelhardt, Jr (Ed.). Global Bioethics: the Collapse of Consensus (2006)

A diversidade moral é intratável? Como podemos entender hoje um agir livre e responsável quando há um desacordo sobre a natureza do bem, do verdadeiro, da virtude?
No início do século 21, a reflexão moral tem um caráter paradoxal.
reflexão moral está marcada por uma discordância “proeminente e apaixonada”. Os filósofos morais suportam diferentes sistemas morais que se traduzem em juízos morais incompatíveis. Há moralidades concorrentes, há bioéticas concorrentes. Por exemplo, uns apóiam, outros condenam os casamentos homossexuais; uns apóiam, outros condenam a prática da eutanásia. As divergências não são somente sobre questões específicas (cf. casuística), mas envolvem diferentes visões de mundo (hermenêuticas “globais”?). Estas divergências se concretizam em estilos morais de vida incompatíveis que se dão em “mundos de vida moral” diferentes (cf. complexidade). As controvérsias morais definem a condição humana.
disputa moral não somente é saliente, mas também é persistente. As discordâncias sobre a moralidade do aborto, sobre as uniões homossexuais, sobre a eutanásia têm histórias que remontam, pelo menos, a dois milênios e meio. As divergências são perenes, pois elas caracterizam as reflexões morais antigas e contemporâneas, embora possam se tornar silenciadas diante de uma ortodoxia estabelecida forçosamente.
As pessoas não discordam apenas sobre questões morais específicas, mas, muitas vezes, sobre o caráter que fundamenta a mesma moralidade. Como resultado, a maioria dos debates morais é intratável.
Em quarto lugar, diante das divergências perenes, ou melhor, apesar dessa discordância e de sua intratabilidade, há proclamas, às vezes com paixão, de um consenso moral. Há uma pretensão que as disputas não existem, ou que, pelo menos, não têm significado intelectual nenhum. Muitos moralistas, hoje, negam a profundidade e o significado de suas evidentes divergências.
Em suma, a invocação de uma ética global, de uma bioética global, dos direitos humanos, da dignidade humana, e as reivindicações de uma compreensão universal da justiça têm um papel importante na Realpolitik a serviço da criação de consenso sobre leis e políticas específicas.

Postado por Giangiacomo

7 comentários:

Geraldo Ulisses disse...

Giangiacomo, nessa sociedade que na maior parte é pluralista e ao mesmo tempo reducionista nas relações, como reinvidar uma ética globalizante?
A partir de que ethos universal?

Jordano Viana Fernandes disse...

Não é para reinvidicar uma ética globalizante! Como Giangiacomo já mencionou, "a maioria dos debates morais é intratável". Já tivemos a oportunidade de ver tantas vezes que o Ethos e o modo de vê-los se diferenciam, apesar de tantos pontos convergentes (que não devem ser esquecidos), por razão dos tantos espaços/tempos de cada um (grupo). Para usar das palavras de Giangiacomo, "uns apóiam, outros condenam os casamentos homossexuais; uns apóiam, outros condenam a prática da eutanásia. As divergências não são somente sobre questões específicas (cf. casuística), mas envolvem diferentes visões de mundo (hermenêuticas “globais”?)". Tudo depende do modo como é interpretado. o professor Germano já nos lembrava que para modificar o modo de interpretação sobre qualquer questão pode levar muito tempo. Hoje mesmo, quando participava da aula de bioética em 3 semanas, tive uma daquelas viagens que quase todo estudante experimenta. Pensei numa ética universal, bem determinada, definda, de modo que todos se deixavam conduzir por ela. Uma sistematização de leis e deveres que fossem retamente observadas por todos. Mas depois vi que não havia mais discussões, mais confrontos. Resultado: tudo parou (foi o sonho do dia em que a terra parou - Raul Seixas. Sorte que era apenas um devaneio de minhas inquietações!
Muito bom seu texto, Giangiacomo...

Jordano Viana Fernandes disse...

Acho que uma coisa puxa a outra. Hoje, em sala de aula, eu observei uma expressão usada pelo professor Germano. Eu penso que copmpreendi o seu sentido. Mas algo ainda não me parece tão claro. Ao invés de usar a expressão "redução ontológica" não seria melhor se usássemos "redução interpretativa"? Penso que ao voltarmos para os objetos de estudo o que se reduz não é a sua ontologia, mas nosso limitada interpretação na hora do enfoque.

Luiz disse...

Ulisses, embora não tenha como negar a pluralidade dos povos, também do jogo de interesses ( economico, religioso, cultural...). Há uma questão que merece atenção: A manutenção da vida no planeta e a preservação da biosfera. Este é um grande eixo direcionador de possibilidade de um entendimento mínimo entre os povos para a reivindicação de uma ética de alcance global (Cf. "Ethos Mundial, um consenso mínimo entre os seres humanos" de autoria de Leonardo Boff).
Boff defende um Ethos, baseado no ser humano, que se vê diante da destruição imposta pelos seres humanos ao nosso planeta, através de um processo de destruição planetária,causado pelo próprio homem ( Cf. o documentário "Uma verdade incoveniente" do ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore, que apresenta uma análise da questão do aquecimento global, e mostra o perigo de extinção que corre a biosfera, como também possíveis saídas para o problema).
Contudo, o perigo potencial de extinção da vida, nos conduz a uma reflexão bio-ética de alcance mundial.

Luiz disse...

Ulisses e Jordano,É inegavel a pluralidade da sociedade em relação a cultura, religião, interesses economicos e ideológicos... Também estou de acordo de que a “maioria dos debates morais é intratável” como colocado por Giangiacomo.
Porém chamo a atenção para uma reflexão eminentemente importante e oportuna: A preservação e a manutenção da biosfera. Entendo que esta é a grande possibidade que conduz e reivindica uma reflexão ética a nível mundial.
O mínimo de consenso entre os povos é exigido para uma visão unificada do planeta Terra como um grande organismo vivo. Neste sentido é inevitável reivindicar a discussão de uma teoria ética mundial. O que está em questão é o processo de destruição imposto pelos próprios seres humanos ao nosso planeta, gerando uma nova reflexão sobre a biosfera, através de uma visão planetária, ambiente comum a todos os povos. ( Cf. “Ethos Mundial” de Leonardo Boff e “Uma Verdade Inconveniente” documentário do ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore.

adalberto () disse...

Achei bastante interessante o seu texto Giangiacomo, e gostei também das colocações de Jordano. Relendo estes textos e refletindo sobre as afirmações sublinhadas, comungo com estas idéias, sobretudo quando observo a rapidez de desenvolvivento do nosso mundo>porquê e para quê tudo caminha tão rápido, de modo transformante e ou transfrmalizante? Será para suprir um desejo comum de todos? ou será para demonstrar a alta capacidade-criativa-intectual-operante do homem enquanto ser do desejo e do prazer? Questiono-me o pq de uma demora tão grande na descoberta e uso-prático da técnica do DNA, utilizado somente no início dos anos 90 para devolver a liberdade de um ser humano aprisionado por condenado por um crime até então não esclarecido. O que vale mais: o ser enquanto vida (H-M), ou o fazer enquanto objeto de desejo e prazer (desfruto)?
Inquieto-me diante deste conflito existente que aprisiona o poder aos poderosos, deixando ao relento dos fatos e das causas os mais necessitados e incompreendidos...
Penso neste poder dominante das culturas de primeiro mundo, que guardam para si, oportunamente uma tecnonogia visante de status mundial(escudo aéreo, bombas químicas,energias atômicas), esquecendo-se daquilo que é sumamente o mais importante, e que nada seria possível sem isto: a vida humana dada por SER SUPERIOR a tudo e a todos...Bom dia a todos e obg pelas contribuiçoes...Pe. Adalberto.

Francisco Tomé disse...

Realmente inquietantes tais questões Giangiacomo. Parece que vivemos em um mundo que tudo se torna natural e não sabemos como agir perante questões como estas que você apresenta. Temos nossa convicção moral, mas creio que isso não nos basta. Queremos que “todos” sejam aquilo que sonhamos, ou que queremos ser. Se não acreditamos em mudanças reais e não fazemos nada para que essas mudanças aconteçam não estaríamos nós caminhando para a morte?. Sonhamos que tais descobertas cientificas e tecnológicas possam nos trazer muitos benefícios, mas nem sempre olhamos as consequências de tais descobertas. Será que não pagamos alto preço pelas descobertas do homem que brinca de ser deus? Podemos ver a evolução das pesquisas que criam novas possibilidades de intervenções humanas sobre a natureza. O homem que programa a sua vida, a sociedade, a comunidade, sua forma de vida, suas ações e não consegue perceber que as relações estão sendo deturpadas e levadas ao abandono. Será que Deus deixou de ser Deus aos olhos de muitos?

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