Aqui neste texto, pretendo fazer uma análise do personagem Saruman da obra o Senhor dos Anéis que certamente o autor não teria feito. Porém, Tolkien afirma que "quanto mais ´vida´ uma história tiver, mais facilmente ela será suscetível a interpretações alegóricas", autorizando-me a cumprir com esta arrojada tarefa de tentar fazer uma hermenêutica atualizada deste personagem tão interessante e misterioso.
Na leitura que faço, Saruman é uma interpretação mito poética do itinerário da razão humana. No início, ele visitava a floresta e sentia um grande prazer na natureza. Era conhecido por Saruman, o branco. Seu papel era estabelecer a união dos povos livres contra o mal de Mordor. Contudo, o personagem também conhecido por Curunir, acabou se corrompendo ao desejar o poder do Um Anel que prometia trazer domínio sobre toda a realidade do mundo.
A partir de sua corrupção, Saruman abandona o amor à natureza e passa a dar maior valor às máquinas. Todo seu trabalho passa a ser o de reconfigurar o mundo à sua vontade. Não importam mais os seres vivos, não importam mais as florestas e nem os seres humanos. Tudo existe para ser dominado e conhecido. Nisto, Saruman identifica-se com a quinta parte do Discurso do Método de Descartes no qual ele coloca a finalidade da ciência como o conhecimento e o domínio de todas as coisas. Ao invés de se buscar a beleza e a plenitude de realização do mundo, passa-se a ver a realidade como algo a ser dominado e escravizado para servir ao conforto de alguns poucos seres humanos.
Também deixou de ser Saruman, o Branco para se tornar Saruman, o de muitas cores. O Branco, ao invés de indicar valores inegociáveis passa a ser uma tábula rasa onde cada um pode pintar seus valores individuais, negando qualquer referência transcendente ou superior à qual os seres humanos devem responder. Este pecado é o mesmo pecado perpetrado por Adão ao tomar do fruto da ciência do bem e do mal na intenção de ser completamente autônomo, negando a existência de Deus, lei e fonte de sua vida. Nesta figura, também vemos o relativismo moderno que ao mesclar-se ao individualismo produz aquilo tão bem conhecido por nós.
Em contraposição a Saruman, surge Gandalf, o branco, Símbolo de uma ciência que se ocupa do cuidado de todas as coisas vivas. Sem mais prolongamentos, deixo algumas interrogações: É possível dar um coração à ciência moderna? Ou ela pode se utilizar apenas do coração humano tão suscetível a se corromper? Ou é necessário abandonar o modelo científico atual e colocar um outro modelo em lugar deste que preze o cuidado com todos os seres vivos e respeite a dignidade humana?
2 comentários:
Excelente post alegórico Fabio. Aborda traços característicos da dinâmica C&T, a vontade de domínio sobre toda a realidade, o desejo de reconfigurar o mundo de acordo com sua vontade, a transformação mecânica, a oposição entre domínio e contemplação, a autonomia absolutizada, a oposição controle-transformação com o cuidado.
O post do Fábio nos retoma a reflexão da dualidade existente e pertencente somente ao ser humano. Somos capazes de grandes feitos humanitários e ao mesmo tempo de atitudes imperdoáveis. Em geral, somos pessoas sensíveis com aquilo que nos atrai e agrada ao mesmo tempo indiferentes com o que não faz parte do nosso desejo. Quando olhamos pessoas ou coisas estamos sempre fazendo juízo de valor. Isso significa que fazemos juízos de realidades. Fica então uma pergunta: Há uma hierarquia de valores? Se houver, o bem supremo é a felicidade? É o prazer? É a utilidade? Por outro lado, é possível questionar: Os valores são essências? Têm um conteúdo determinado, universal, válido em todos os tempos e lugares? Ou, ao contrário, são relativos? Ou, ainda, haveria possibilidade de superação dessas duas posições contraditórias?
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