terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Reflexão sobre o filme "Mar Adentro": eutanásia e liberdade de escolha

Não mais me importa a vida. O que tinha de belo se foi, apenas fica a recordação do passado tão presente. Agora tetraplégico, resta-me apenas morrer. Não posso mais curtir a brisa suave que toca meu rosto, nem mesmo sentir o mar a lavar meus pés. Sinto apenas neste leito a dor e a desilusão, nada mais. Por que quero morrer? “Quero morrer porque a vida para mim, neste estado, não vale a pena”. Mas digo isso para mim mesmo, pois não desejo que outros que vivam iguais a mim se ofendam. Não pretendo julgar, nem ser julgado por minha decisão. Apenas desejo que compreendam. Esta vida que levo não é digna, e não quero piedade. Não olhe para mim com valores morais, olhe para mim como aquele que quer ser livre da dor e desta cama que me aprisiona.
Quem poderia me ajudar a morrer, já que não posso me levantar deste leito? “A morte sempre existiu e existirá. Afinal ela sempre vem para todos”. Não vejo escândalo em dizer que desejo morrer. Creio que poderiam me perguntar por que não busco alternativas e escolho viver. Por que não a cadeira de rodas? Aceitar a cadeira de rodas seria como aceitar migalhas do que foi a minha liberdade. Hoje sou um prisioneiro, em um quarto escuro, e a cadeira de rodas não me tiraria desta prisão. Vocês crêem que preciso de um psicólogo. Talvez, poderia ajudar-me por um momento, mas ele não me tiraria da prisão. O meu sofrimento continuaria. A liberdade de escolha seria tirada de mim, se pensasse diferente do que penso. Assim como foi tirada quando fiquei tetraplégico. Por que não posso escolher viver ou morrer? Muitos afirmam que Deus quis que eu vivesse naquele acidente. Outros ainda que eu tinha que passar por isso. O que posso dizer: só sente a dor quem passa por ela. A fé fica abalada, como se Deus não existisse. Como que, depois da morte existisse apenas o vazio, assim como antes da gestação existia o vazio e nada mais. Todos afirmam que querem o meu bem, que me amam, então por que não respeitam a minha decisão? Aquele que diz que me ama, deveria ser o que me ajudaria a morrer. E eu preciso ser ajudado, não da forma como vocês querem. O que quero é a liberdade, e ela só pode ser adquirida com a morte. A morte não é o melhor remédio, mas me levará à liberdade. Mas muitos dirão que uma liberdade que elimina a vida não pode ser liberdade. E eu respondo que uma vida que elimina a liberdade, tampouco é vida. A dor me leva a decisões extremas e me faz esquecer valores éticos e morais.
Eu creio que nossa vida não nos pertence, mas sou eu que a administro, eu decido. Sei que a morte é uma coisa incompreensível e séria. Mas viver não deve ser visto como uma obrigação e sim como um direito. Então, quando aparecer aquela que me ajudará a partir, poderei compreender o que é sentir a eternidade. E com o toque do cianeto de potássio nos lábios sentirei o beijo eterno do amor, que me trará a paz almejada. Meu corpo a queimar com gotas suaves do suor... atingirei a eterna liberdade. E então, só então com o tempo e com a evolução das consciências, saberão se o meu pedido era razoável ou não. Então compreenderão o meu desejo de me sentir livre e morrer com dignidade.

“Mar adentro, mar adentro. E na leveza do fundo, onde os sonhos se cumprem, juntando-se as vontades para realizar um desejo, o seu olhar e o meu olhar, como um eco repelindo, sem palavras, mais para dentro, mais para dentro. Para lá de tudo, para lá do sangue e dos ossos. Mas desperto sempre e sempre quero estar morto, para manter a minha boca, enredada nos seus cabelos”.

Contribuição de: Francisco Tomé

7 comentários:

Geraldo Ulisses disse...

Acredito que ninguém deseja morrer realmente. Quem se aproxima desse desejo é porque não viveu intensamente. Pelos anos vividos, ouvimos várias pessoas desejarem a morte por motivos diversos.Creio também que possuímos duas vidas: a biológica e a existencial. Muitas pessoas jovens, com suas vidas biológicas em plena ascensão se encontram com a vida existencial no declínio por falta de amor, compreensão ou uso de outras substâncias. Como há também o contrário: pessoas com suas vidas biológicas em declínio pela natureza, mas com suas vidas existenciais a todo vapor. Por último,e por experiencia com a tanatologia, devemos nos aproximar dessas pessoas que desejam a morte e confortá-las com a audição de suas questões. Há muito o que se ouvir e no momento adequado, mostrá-las o quanto é bom tê-las conosco.

Alessandro disse...

Olá! Tomé, dessa vez você me pegou. Quando eu li o texto eu fiquei pensando em qual razão daria para justificar que ele está errado eu querer morrer. Pensei na possibilidade de um dia ele recuperar a saúde (mas parece impssível), pensei na dor das pessoas que o amam (mas o amor delas podem curá-lo ou salvar a vida dele? não, e nem aliviar a dor, pensei na questão comunitária, pois ele não é um indivíduo isolado e sem interação com o meio, (mas também não aliviará a dor.)Tem pessoas que supotariam a dor para viver pelo menos mais um segundo, então aqui poderia está a chave da resposta: o que faz uma pessoa desejar viver nem que seja por um segundo a mais? Acredito que nós esquecemos de mostrar a ele o amor que o ser humano pode dar. E por isso, ele não se sente vincuado mais ao mundo, às pessoas e a si mesmo. Aqui está a maior dor e desilusão, esta dor eu não quero.

Adriana disse...

Francisco este texto me lleva al corazón de situaciones límites, al misterio que ellas encierran. Ante estas situaciones me quedo sin palabras – una cosa es el discurso, otra cosa es vivirlo en carne propia-. El texto suscita muchas preguntas frente al sentido de la vida, de la fe, de la muerte… Me hace pensar también en la manera como se comprende la libertad ¿puede quedar prisionera en un cuerpo tetrapléjico, en un cuarto oscuro? En estas situaciones pienso en una frase que me llama fuertemente la atención desde hace tiempo la enfermedad y el dolor es salvador. En situaciones así pienso ¿Cómo la enfermedad puede ser salvadora? ¿Salvación de qué, para qué, por qué de esa manera?

Francisco Tomé disse...

Quando vi este filme, refletia, será que pode existir alguém tão individualista a ponto de querer tirar a própria vida? E ai não precisei ir muito longe, encontrei uma pessoa de minha família que mesmo tendo saúde e uma “vida perfeita”, preferiu a morte. Não sei o que se passaria na cabeça dele. Mas, esta reflexão me fez lembrar de suas palavras antes do suicídio: Judas traiu Jesus e eu trai você (a esposa) e estou sendo tão covarde que não o fiz, mas logo que tenha a oportunidade farei. Não sei como uma pessoa pode pensar assim. Mas ele pensava e implorava o perdão de Deus, pelo pecado cometido (a traição) e o pecado que ia cometer a morte. Procurava Deus, mas não o encontrava pois seu coração, sua mente estava fechada no seu erro. E um dia quando menos esperávamos tomou o lençol de cama amarrou em uma viga de madeira acima da cama, colocou o laço no pescoço e deu adeus a vida. Sua esposa chegou e o encontrou de joelhos sobre a cama, mas já sem vida. Tinha tudo uma vida linda, uma esposa que o perdoou o amava, duas filhas que o via como o melhor pai do mundo , mas a dor da traição parece que foi maior que o amor naquele momento. Assim penso eu que posso dar a resposta a você Alessandro e Ulisses. A dor é para aquele que sente, e não para os que protagonizam. Se este rapaz, com saúde, bem financeiramente e com o amor de toda a família foi capaz de tirar a própria vida. Então, imagine aquele que tem o desejo de morrer, prostrado em uma cama, sabendo que não mais voltará a andar. Não estou justifico nada, porque suicídio não pode ser justificativa, muito menos a morte de outro o pode ser. abraços e obrigado pelos comentário.

Adriana disse...

¿La fe como ilumina la realidad de dolor y muerte? Como ilumina esta nueva realidad de optar por morir? Pensando en esto quiero compartir la poesía de una de mis hermanas de comunidad que murió el año pasado, no sin dificultad llegó a sentir el valor del dolor redentor.

POESIA DE LA M. MARÍA AGUDELO MORENO O.D.N.
AL FINAL DE SU VIDA

Era un hondo sentir que afloraba sin hallar expresión.
Era duda inquietante y turbadora, era nube interior.
“¿Tiene acaso sentido el sufrimiento?
¿Por qué es prueba de amor?
¿Dónde y cómo se torna positivo?
¿Y cuándo es redentor?”

Una obra de arte bosquejada sobre una greda gris
y un comentario cálido de artista, me hicieron descubrir
“Que mi vida es un barro que comienza
a convertirse en cruz…
Que tras la nube de mis resistencias
hay un rayo de luz”
Y supliqué a la artista, no termines!
Deja tu obra así.
Será la imagen de mi pobre barro
donde el Cristo sus rasgos va a pulir.

Me descubro al final de la jornada,
como esa greda fácil de amasar.
Me experimento sobre el duro suelo
dolorida, en paz…
Presiento que, por fin, irá surgiendo
desde mi ser, la imagen del Señor;
a costa de mi cruz que se confunde
con su Cuerpo tallado en mi dolor.

Valentina disse...

Quando li seu texto, Francisco, senti uma dor profunda. E agora você me explica: este texto não é simplesmente uma reflexão, mas foi para você experiência... a experiência da impotência, do não sentido, de perguntas que não têm resposta. Obrigada por não ter simplesmente epresso um juízo sobre a eutanâsia, mas para ter-nos desafiado com a sua com-paixão. Sei que esta não é uma resposta, como você mesmo disse, mas tal vez é o ponto de partida para se pensar caminhos de humanização da morte e da dor.

Francisco Tomé disse...

Obrigado Valentina! pensei que a reflexão feita por mim não seria compreendida mas vejo que me enganei. A dor maior daquele que perde o amor a própria vida creio que seja a de não se compreender. Não saber ao certo que resolução tomar. E falar de Deus neste momento se torna discurso vazio. O que realmente importa no momento da dor é saber que há pessoas que estão ali não para julgá-la e nem para compreende-la, mas para amá-la e respeitá-la. A desaprovação do ato não ajuda, pode fazer com que a pessoa obtenha mais desejo de por fim aquilo que a aprisiona e a faz desumana. Desumana, consigo e com o outro que cuida, ama e cativa. Para o que cuida pode não ser um peso, mas para o que é cuidado, ela é o peso. Então, a liberdade acontece não só para o que quer a morte mas para o que cuida, isso claro na visão daquele que deseja morrer. Valeu pelos comentários.

Postar um comentário