terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O LEIGO, A TEOLOGIA E A BIOÉTICA, NEM MENINA, NEM MULHER - Parte II

A modernidade é uma linda mulher balzaquiana que a todo o momento nos seduz com suas novidades propiciadoras de momentos de lazer, diversão, comodismos e felicidades, todas porém momentâneas. Mas diuturnamente ela se encontra nos seduzindo, e o ser humano gosta e necessita dessa sedução. A bioética, enquanto filha observa cuidadosamente os passos da modernidade.
Antropologicamente, esse precisa de algo em quem confiar e se sustentar para poder continuar seguro em sua existência. A principio seriam as diversas instituições, financiadas pelo pacto social, que o cercam, mas a partir do momento em que algumas instituições formadoras da personalidade ficam desacreditadas, esse mesmo ser migra para outras na pior das hipóteses, ou apenas mantem uma ligação de interesses sem se interessar pelas ações por elas praticadas.
Fato importante é que o homem só critica a instituição, se ainda se sentir afetivamente, mesmo que inconsciente pertencente a ela. As grandes críticas a uma instituição, só é produzida por quem se encontra a ela ligada, seja afetiva ou moralmente. Igual condição é verdadeira quanto à defesa de seus enunciados.
Nesse nosso discurso, o centro da atenção não é a modernidade com toda a sua cientificidade e técnica, mas o ser humano. Sendo o discurso sobre o ser humano, todo o nosso pronunciamento deve envolver tudo o que o circula, por isso a necessidade de dizer sobre o seu cotidiano. Cotidiano esse que abrange a sua existência tanto material quanto espiritual, aqui acrescentada da sua parte psíquica. Creio que ao dizermos algo sobre o ser humano, devemos considera-lo como um todo e não apenas dizer sobre o que o cerca. Quer nas questões sociais, quer nas diversas questões teológicas. A discursão ficaria periférica demais.
Assim, a relação da teologia com a psicologia nem sempre é tão feliz quanto se deseja. Os mal-entendidos se devem à concepção que as duas disciplinas têm de si mesmas e de seu estatuto epistemológico. Muitas concepções teológicas foram elaboradas com o auxílio de uma filosofia anterior à época em que se construíram a antropologia cultural e a psicologia. Esta última é, com efeito, a ciência humana mais recente, mesmo se as observações e as interpretações de natureza psicológica são tão antigas quanto às obras literárias e as reflexões nos textos de sabedoria e de espiritualidade. Como ciência, como saber baseado em observações sistemáticas e na elaboração teóricas destas, a psicologia é filha tardia do encontro entre dois traços da modernidade: a atenção à subjetividade e a formação do espírito científico. Dessa maneira, no século anterior foi-se descobrindo e estudando a realidade psíquica. Essa é o terceiro componente do ser humano, pois não coincide nem com o seu corpo orgânico nem com o espírito que funciona de acordo com as leis da razão lógica. Tudo que é humano tem uma dimensão psicológica. Mas nada do que é humano é exclusivamente psicológico. A psicologia não é uma ciência acabada. Ela não explica, pois, a religião e nem tem a pretensão de fazê-lo, mas examina os fatores psicológicos que estão ativos no devir religioso, que o entravam ou o deformam patologicamente. Inversamente, a psicologia examina também a influência que a religião exerce no psiquismo humano, no sentido da espiritualização, da saúde psíquica ou da psicopatologia.
A psicologia não tem competência para se pronunciar sobre a realidade ontológica de Deus e da revelação divina, mas ela leva em consideração as convicções das pessoas estudadas. É enquanto ciência religiosamente neutra que a psicologia pode e deve servir à teologia. Embora aqui não fosse tratada a questão do inconsciente, pertencente à psicologia profunda, como cristão e pela fé, nunca podemos descartar que por trás desta estrutura psíquica descoberta por Freud, celebrada por toda uma comunidade científica moderna, há um “algo” ao qual possamos chamar de inconsciente divino. Esse é uma flor que por nascer na adversidade diária do humano, é a mais bela e rara flor existente. Quanto à psicologia de uma forma geral, ela pode contribuir e se habilita para isso: para esclarecer em sua capacidade de ciência neutra a articulação entre o humano e o divino, pois, aquele que não conseguir entender uma palavra que for dita, concorre para jamais conseguir entender a alma de quem a diz.
O grande articulador das ciências chama-se dialogo. Porém, como precursor devemos considerar o conhecimento sobre o que dialogar. Enquanto se tratar de discutir sobre o ser humano, há uma real necessidade de conhecê-lo em sua totalidade e não apenas algo sobre ele, pois ao se tratar sobre a humanidade, estamos lidando com vida, tanto dela quanto de seu habitat.

Por Geraldo Ulisses

5 comentários:

Germano SJ disse...

Muito bem... está aberta a licitação para os comentaristas fazerem a ligação com a bioética prometida no texto.

Valentina disse...

Reação feminista: como sempre a mulher é tida como pedra de comparação por qualquer tipo de sedução barata... Mas tudo bem! Para ser inaciana (quando Inácio fala da tentação, ele põe uma imagem feminina e uma masculina!) imaginarei a Modernidade como um homem que insinua sua sedução com palavras levianas!
Vou tentar refazer o caminho do seu texto: ironizando sobre nosso cotidiano, perdidamente seduzido por Dona Modernidade, chega até a Filha Bioética e frisa a instrumentalização das instituições. Depois passa ao verdadeiro interesse do texto: o ser humano, um ser físico-psíquico-espiritual. E é aí que entram a psicologia e a teologia. Parece-me que você aponte à psicologia como “ponte” entre ciência e teologia, já que ela encerra em si a centralidade do sujeito, fundamental na experiência religiosa, e o discurso científico. Então para mim fica a incerteza: você quis dizer que a psicologia poderia auxiliar a teologia no seu debate com a bioética? Como faria isto? Perguntando-se e pesquisando a respeito das motivações profundas que movem os sujeitos e as comunidades a tomarem determinadas posturas éticas?

alessandro disse...

Reação feminista e masculinista: Aqui tem uma ironia fina: "Usa-se figuras poéticas ou midiáticas para dizer o que não se sabe dizer corretamente por se estar lidando com o novo ou por talvez desviar a percepção do outro para a figura -mecanismo de defesa-, assim não se permitindo ver como é." Você (Ulisses)também "usou" a mulher como metáfora. E por sinal muito bem observado pela Valentina.
Outra reação humana: eu sou apenas o resumo destas três coisas criadas pelo próprio homem para tentar entendê-lo: físico-psíquico-espiritual. E mais o "seu" Freud, nos dividiu em ego, superego e id: mas eu sou bicho, humano, divino, deslocado, esperançoso, sexuado (e muito)e ... (e tem mais), mas é porque ainda estou descobrindo e vou procurá-las enquanto eu estiver vivo, e sei que não encontrarei todas ainda, mas ficará para as próximas gerações...
E o Senhor Bioética não vá se arrogando à pretensão de tudo saber e definir a pessoa humana, porque não vai conseguir. Mas o diálogo pode ajudar o ser humano a se expressar: na arte, na música, na pintura, na dança, poesia, nas metáforas...

Giangiacomo disse...

Pergunto-me: qual foi o enfoque primeiro da teologia? Não tenho certeza que foi, desde cedo, o ser humano, enquanto ser físico-psíquico-espiritual; tenho a impressão que foi mais na linha do evento Cristo, enquanto evento soteriológico (Sesboué?) que fala à esperança e aos anseios dos homens. Então: o que há em nossa sociedade hoje, nas dinâmicas tecno-científicas, que pode contribuir e ajudar para serem “pessoas”, em relação entre nós e com o mundo, sustentando a vida e a dignidade (maximamente a dignidade humana), ficando nisto sempre abertos para a transcendência que pode, em qualquer momento, comunicar-se gratuitamente a nós?

Geraldo Ulisses disse...

Há uma grande necessidade de conhecermos as questões simbólicas da representação da linguagem para podermos expressar corretamente sobre determinados temas. Ferdinand Saussure ou mesmo Wittgenstein podem nos auxiliar nesse processo de compreensão do simbolismo e da representatividade simbólica da linguagem, quando empregada para se expressar o mito, o rito e os gestos simbólicos.

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