sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Atrapalha a Teologia no debate bioético?

Pode acontecer, e acontece, que alguns teólogos na Igreja muitas vezes com a melhor das intenções de defender a vida humana e adotar a postura de uma segurança, atrapalham esta defesa, manipulando ou mal interpretando os dados biológicos em favor de uma argumentação moral determinada. E está demais assistir a quantidade de críticas que a Igreja recebe. Nesse sentido a teologia que prega este tipo de argumentação pode atrapalhar o debate bioético intercultural e interdisciplinar.
É verdade, que nós podemos nos encontrar entre a cruz e espada: ou porque não se encontra uma linguagem adequada para o diálogo numa sociedade plural e secular; ou devido à própria pressão exercida pelo magistério e tradição. Mas a teologia não pode encerrar-se numa linguagem “críptica”, nem tampouco ocultar sua mensagem. Terá que encontrar uma via média: qual será esta via? A hermenêutica da poesia ou do mito? Fica claro que para dialogar se deverá partir de situações comuns, ainda que as cosmovisões sejam distintas. Se a linguagem pressupõe convicções religiosas: como pode resultar aceitável para os que não compartem tais convicções? Ainda que não se compartilhem, se poderá reconhecer que o sentido do religioso, ao longo da história, tem desempenhado um papel importante no modo de situar-se diante sofrimento, da doença e a morte.
De fato, os que participam do debate bioético não são disciplinas abstratas, mas pessoas concretas que falam a partir de determinadas tradições. Por isso, não pode-se negar ao teólogo o direito de entrar no debate bioético. O teólogo há de possuir uma fina sensibilidade para perceber onde está em jogo o sentido da existência humana; uma sensibilidade para com as pessoas, esta sensibilidade que nos vem a traves da fé. No debate bioético, vai ser essa sensibilidade que nos fará enxergar o modo de humanizar o cuidado com os mais fracos. Assim, é como a tradição cristã pode contribuir a não desumamizar a bioética. 
Ainda que não possa contribuir muito para soluções concretas, pode-se manifestar a problemática humana implicada neles. Não se trata de tanto desligar o não os mecanismos prolongadores de uma agonia, mas perguntar-se em que consiste a dignidade de quem morre e como ajudar uma pessoa a viver dignamente, enquanto morre, a quem vai morrendo. A teologia entrará em debate não para regular, mas para interrogar-se acerca da vida humana.
A teologia pode contribuir muito. Desde sua tradição bíblica, por exemplo, desde a fé na criação brota um sentimento de agradecimento pelo dom da vida e de respeito pela dignidade de cada pessoa, baseado no amor de quem a criou. Também brota um critério de responsabilidade. Não estamos proibidos de fazer o “papel de Deus”, desde que o façamos responsavelmente, não destruindo, mas melhorando a natureza. Desde uma Cristologia, ao aprofundar o significado “viver-em-Cristo”, podemos relativizar o alcance tecnológico para prolongar a vida biológica e considerar a vida como valor supremo, mas não absoluto. Desde a fé na ressurreição brotam critérios de respeito à corporalidade humana, supera-se o dualismo corpo-alma e evita-se reduzir a medicina só ao cuidado do corpo. Desde a Eclesiologia de comunhão e desde a moral de liberação brota a preferência pelos mais necessitados na distribuição dos recursos sanitários.  
Bom final de semana!. Carlos.

6 comentários:

Alessandro disse...

Olá Carlos, excelente artigo. Perguntava-me se não seria função do teólogo defender a vida quando esta se encontra ameaçada? Não seria função do Estado, da política, das ciências e dos bioeticistas? A teologia se preocuparia apenas com o "lado" espiritual do ser humano. Os outros "especialistas" cuidariam do corpo e sua defesa. Mas não foram as ciências que mostraram aos teólogos que não se pode separar corpo, alma e espírito. E tanto aprenderam que hoje já não conseguem pensar uma teologia sem a unidade do ser humano: corpo-alma-espírito. Se as ciências cuidam do corpo, ótimo, que o façam! Mas quem cuidará do espírito difundido, inseparável do corpo e que escreve no corpo as marcas culturais e transcendentes ao ser humano? Se um dia as ciências desvendarem o mistério da vida pode ser que os teólogos se calem, mas enquanto isso, eles sempre, dentro da racionalidade equilibrada, estará ao lado da misteriosa existência humana aberta ao transcendente.

Germano SJ disse...

Muito bom o artigo, Carlos. A teologia não atrapalhará o debate bioético na medida em que se coloque como parceira, Além disso, o teólogo tem um papel fundamental, hermenêutico, que é traduzir na linguagem do debate ético, as concepções do agir cristão, o qual não é específico cristão nas ações morais, mas o é pelas motivações. Isto é, o agir moral cristão é plenamente humano, e humanizante. Isto deve ser traduzido em linguagem acessível a outros grupos. Ainda, a teologia moral tem o papel de mostrar aos cristãos que podemos contribuir a partir de nossa especificidade, sem perder a identidade. Contribuindo com juízos circunstanciais, prudenciais, mas que estão enraizados nas exigências do Evangelho, por exemplo, denunciando a injustiça, a desinformação, as manipulações do mercado biotecnológico.

Giangiacomo disse...

Mais duas interfaces da bioética com a teologia (cf. Roque Junges):
1)a teologia pública. Ela participa da res publica da sociedade numa perspectiva profética e crítica. Assumindo essa posição crítica, ela deve estar disposta a sofrer também a crítica pública. Trata-se de falar uma linguagem pública acessível ao conjunto da coletividade social, Semp perder a integridade da mensagem cristã.
2)O teólogo convidado a participar de um debate bioético. Tem o desafio de dar conta da especificidade de seu saber e validar sua contribuição diante do questionamento racional. Espera-se dele uma argumentação ética sem dogmatismo moral, que seja, ao mesmo tempo, racionalmente coerente e fundada em convicções.

Jordano Viana Fernandes disse...

A Teologia " Terá que encontrar uma via média: qual será esta via? A hermenêutica da poesia ou do mito?". Carlos, esse período me chamou a atenção para algo que eu já estava pré-meditando: a linguagem. Para sermos realistas, frente ao nosso mundo carregado de (IN) formações, percebemos, o que é óbvio, que o pensamento e desenvolvimento científicos possuem uma identidade puramente pragmática, racional, conceitual, técnica, analista, mecânica, objetiva. É o que detectamos, comumente! Destarte, eu me pergunto: a nossa linguagem teológica realmente se garante num determinado discurso envolto daquela linguagem pragmática? Às eu me questiono se o cientista não se sente enfadado de nossa linguagem. Costumamos dizer: justiça, amor, dignidade, etc. O que o cientista enxerga em nós quando direcionamo-lhe tais palavras? O professor Germano disse que "A teologia não atrapalhará o debate bioético na medida em que se coloque como parceira...". Realmente, há parceiros e parceiros. o que questiono aqui é somente como eles nos vêem.
Para nós cristãos nossas palavras podem até significar alguma coisa, mas para muitos dos cientistas será que dizem alguma coisa?
Obrigado por me fazer questionar.
Att. Jordano

Luiz disse...

O olhar teológico sobre a bioética requer auxiliar e contribuir com a reflexão estabelecendo o diálogo. O discurso não pode ser impositivo, normativo ou dogmatizante. A teologia se coloca no debate bioético reconhecendo o valor da vida, dom de Deus, que merece ser defendida e preservada. A convicção teológica procura lidar com os avanços científicos e tecnológicos e os seus desdobramentos de maneira reflexiva e dialógica.

Adriana disse...

Latorelle en el texto Teología ciencia de la Salvación (1968), dice que Gaudium et Spes elaboró una verdadera antropología cristiana, en que el hombre es considerado en su totalidad… la teología moral, deberá mas que en el pasado, apoyarse en un conocimiento mejor del hombre (p.157) [...] la teología moral tiene necesidad de la colaboración del exegeta… y de las ciencias del hombre (p. 164). Considerara el ser humano en su totalidad implica el diálogo y la complementariedad entre las disciplinas y la humildad para reconocer sus límites. ¡También en la teología! Lo que no quita que a teología también tiene una palabra, no la única, en el debate bioético.

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